segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Considerações sobre a SELIC: Ensaio do BC como organismo do Estado brasileiro.

Amiris de Paula

Há dias da próxima reunião do COPOM, nota-se uma costumeira agitação do mercado. São investidores, sindicalistas, representantes da indústria e do comércio se degladiando na discussão sobre a grande expectativa existente para a queda da SELIC. No último encontro do comitê, o mesmo chegou a reconhecer que houve uma substancial mudança no ambiente macroeconômico desde sua última reunião, “de modo a justificar uma reavaliação, e, eventualmente, reversão, do recente processo de elevação da taxa básica". Sendo assim, presenciou-se um contra movimento das constantes altas da taxa SELIC: houve redução da mesma para 12,00% a.a., "sem viés". A decisão em si já gerou um sobressalto generalizado. Contudo, sua quase unanimidade foi o mote do espanto: a ata divulgada da 161ª reunião mostra que seus membros não pretendiam aumentar ainda mais a taxa. E mesmo os dois votos contrários contra a queda da SELIC não sugeriram seu aumento, mas sim foram pela manutenção da taxa em 12,50% a.a.

Dentre as opiniões acerca da diminuição da taxa, há o setor industrial. Com uma nota breve e direta sobre a medida do COPOM, o presidente em exercício da Fiesp, José Guilherme Ometto, afirma que "ao preservar uma postura pouco sensível ao momento global e nacional, a autoridade monetária brasileira pode, assim como aconteceu na crise de 2008, estar incorrendo no grave erro do excesso de conservadorismo e intensificando a desaceleração da atividade econômica, já em curso". A preocupação é real e se torna ainda mais válida ao analisar que o crescimento da indústria em agosto, segundo o IBGE, foi de apenas 0,2%. Nota-se ainda uma série de retrações na produção física da indústria, seja ela mensal, de 0,3%, trimestral, de 1,1%, anual, de 1,4% ou no acumulado de 12 meses, de 2,9%. Em nota oficial, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira afirmou que as altas consecutivas "aniquilaram" a produção industrial. Pereira ainda afirma que essa diminuição retardatária da taxa de juros demorará alguns meses para refletir no desenvolvimento do setor.

O comércio recebeu a queda com surpresa. A avaliação do COPOM para o setor foi positiva, ao registrar um aumento das vendas do comércio ampliado em 0,5% em junho, em relação a maio, totalizando um crescimento mesmo em 3,1% no trimestre encerrado em junho, relativamente ao terminado em março. Porém, apesar do otimismo do Comitê quanto ao setor, o presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Rogério Amato, avaliou com respaldo a medida. Ele tomou a queda como uma medida preventiva do BC contra os sinais de desaceleração da produção industrial. Contudo, espera mais da próxima reunião do COPOM ao afirmar que espera "que o BC utilize também outros instrumentos para evitar que a desaceleração observada nos vários setores se aprofunde”.

A queda da SELIC também pode ser analisada pela ótica da dívida governamental: representa uma mastodôntica cifra que não vai mais sangrar para as contas bancárias dos detentores de títulos da dívida, historicamente sendo acostumados a ganhar em operações financeiras. Nas palavras do professor Otto Nogami, do Insper, "Está enraizada no brasileiro a cultura de uma rentabilidade alta com o juro". Torna-se nítida, então, o porquê dessa tendência de redução deixar tantos agentes do mercado insatisfeitos.

Até o mercado financeiro, surpreendentemente, avaliou positivamente a postura de corte da SELIC. O presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (IBEFSP), Keyler Carvalho Rocha, avaliou que “a decisão do Copom, iniciando agora o ciclo de cortes dos juros, aliada aos compromissos fiscais do Governo, constituem o cenário que consideramos ideal para o País”.

Ao não adiar ainda mais uma queda da SELIC, bem como levar em consideração fatores como o cenário mundial e a pressão inflacionária da alta das commodities no mercado mundial, o BC insuflou o mercado. A tendência de uma nova queda da taxa de juros mostra uma tênue mudança de comportamento, sendo apoiada por quase todos os setores da economia nacional. Apesar da tradição de indolência do BC, especialmente no que tange à taxa de juros, essa atitude do mesmo indica o prelúdio de uma mudança de comportamento, ainda que muito tímida, da instituição. É claro que esta queda não fará com que o Brasil deixe de ocupar o posto de liderança no ranking de juros reais mundial. Não obstante, como afirma Delfim Neto: “As afirmações de que o BC abriu mão de sua “independência” ou abandonou o sistema de metas de inflação para atender o governo, além de irresponsáveis ofendem a memória alheia. (...) A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de cortar a taxa básica de juro talvez tenha sido a primeira demonstração em muitos anos de um BC independente perante o sistema financeiro privado, quer dizer, voltar a ser um organismo do Estado brasileiro".

Nenhum comentário:

Postar um comentário